segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

“Os sentidos do lulismo”: Uma leitura obrigatória para a esquerda brasileira




Qual o rosto da classe trabalhadora brasileira?
            “O lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento. É o caráter ambíguo de um movimento que torna difícil a sua interpretação.” Assim o grande sociólogo André Singer começa seu último livro, “Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador”.
            De fato a análise de um fenômeno absolutamente sui generis, e inteiramente novo não é uma tarefa fácil, mas, com muita elaboração teórica e análise minuciosa estatística André Singer consegue fazer com que saibamos qual é o chão em que estamos pisando no cenário político atual.
            André Singer identifica que a maior parcela da classe trabalhadora brasileira se encontram tão precarizadas que vivem em condições que lhe dão um status abaixo do proletariado, isto é, o subproletariado, historicamente conservador, contrário às greves – conforme estatísticas mostradas, eleitoralmente ligado à ARENA, ao PDS, ao PFL, enfim, ao coronelismo, sendo a classe que em 1989 deu a vitória a Collor, isto é, à direita. O proletariado e o subproletariado nunca jogaram no mesmo time.
            Diferente do proletariado, o subproletariado não tem um projeto histórico. Quer sair da pobreza, mas também quer “manutenção da ordem” (reforma gradual e pacto conservador – aqui entendemos que o subtítulo não é aleatório).
            Após um elaborado e muito interessante debate teórico, defende a tese de que o que houve no Brasil foi um realinhamento eleitoral, isto é, o projeto lulista foi capaz de fazer com que a “nossa questão setentrional” (paráfrase de Gramsci e a questão Meridional) fosse superada, isto é, o subproletariado rompeu ideologicamente com o coronelismo.
            O lulismo, então, entra na cena política enquanto tal a partir das eleições de 2006, quando, beneficiada pelas políticas sociais que – dentro dos limites do capitalismo, reduziram a pobreza (mas nem tanto a desigualdade) e com a expansão de crédito, essa parcela decisiva da classe trabalhadora opta pelo lulismo, ao passo que a classe média, principalmente pela questão do mensalão, passa ao campo mais à direita política, do PSDB e DEM.
            A polarização, porém, deixa de ser entre esquerda e direita, para se tornar entre ricos e pobres.
Duas almas
             O processo de transformismo do PT também é trabalhado por Singer, afinal de contas sem o PT Lula não seria Lula, e o PT não seria PT sem Lula.
            O PT não adere de imediato ao lulismo.
            A primeira alma do PT, o “espírito do Sion”, é o daquele partido que foi fundado no Colégio Sion, com corte claramente socialista, visando uma ruptura radical, fazendo a crítica do populismo, do sindicalismo de resultados e da dificuldade teórica da esquerda “tradicional”, por assim dizer, embora o termo seja péssimo, em interpretar o Brasil.
            A segunda alma, a do “espírito do Anhembi” – referência à apresentação da “carta aos brasileiros”, endereçada ao grande capital em 2002, com o intuito de acalmar o grande capital, amedrontado com a hipótese de Lula ganhar as eleições, tendo sido dado o recado de que “o radicalismo petista tinha sido, no mínimo, suspenso”, em termos próprios, diferentemente do caso da social-democracia alemã, cujo confronto entre as alas da direita e da esquerda do Partido foi lento e arrastado.
            Entretanto, essas “duas almas”, convivem dentro do partido, não sendo exclusivas entre si.
            É interessante quando Singer usa uma tabela que demonstra como até 2002 os votos no PT entre as classes média e alta é concentrado, ao passo de que havia um decréscimo considerável nas classes baixas e como isso se altera a partir das eleições de 2006.
Uma agenda que vai longe...
            A grande questão política que Singer coloca é a de que o grande desafio brasileiro é a redução da pobreza. Neste ponto, se a oposição neoliberal quiser voltar a governar terá de se adaptar a essa agenda, cujo cerne são os programas de transferência de renda e expansão do crédito.
            E de fato, o “macaco velho” José Serra (PSDB – SP) percebeu isso nas eleições de 2010, ao contrário de Alckmin em 2006, e prometeu não só manter o Bolsa Família (o principal programa de transferência de renda), como também prometeu um incremento, um “13º”, o que pareceu ao eleitorado (e aqui digo por mim) pura demagogia.
            Se por um lado a pobreza monetária cai rapidamente (voltando ao que éramos no começo da década de 1960), por outro lado a desigualdade se cai é quase que a um valor irrisório. Lula soube como poucos agradar ao grande capital, principalmente com a questão cambial e a questão dos juros (no fim das contas, o homem da direita escolhido para ser o vice de Lula, José de Alencar, se pôs à sua esquerda, pedindo a redução dos juros).
Reformismo fraco?
            Entretanto, há mudanças. Há – e isso é muito importante, uma reconfiguração em curso da classe trabalhadora. O subproletariado está se incorporando ao mercado de trabalho, há, segundo outros especialistas, e Singer considera tal interpretação, a criação de um “novo proletariado”. Resta saber se o “antigo proletariado” será suficientemente forte para incorporar a outra fracção ao seu projeto histórico. A futurologia dos analistas citados pensa que não.
            A dependência das commodities e a preferência do modelo lulista pelo agronegócio, da maneira como vem sendo praticado, ao invés da reforma agrária, causam repugnância na esquerda. O “reformismo forte” (que era o do PT) fracassou enquanto atualidade histórica no Brasil, mas não completamente, pois deu à Constituição de 1988 seu corte progressista, embora ela não seja cumprida.
            “Se o reformismo fraco é lento quando observado desde o ângulo da totalidade, talvez pareça rápido quando visto do ângulo do subproletariado, sobretudo do nordestino”. E essa é uma questão fundamental, principalmente para a esquerda brasileira nessa atual fase difícil.
            Singer, logo no começo se questiona se o lulismo será competente o suficiente para abrir um caminho que permitirá colocar as contradições do capitalismo brasileiro em patamar superior.
De agora em diante falo por mim. Quanto mais lemos o livro mais nos encontramos diante de um labirinto. A configuração de classe do governo Lula, e consequentemente Dilma, é contraditória. Existe uma parcela considerável da classe trabalhadora na base, assim como do grande capital, respectivamente uma parcela “produtivista” (ameaçada pela desindustrialização do país e que começa a dar sinais de desconfiança) e outra “rentista”.
            Se a esquerda quiser recuperar o centro (não no mal sentido) da arena política, deve ter em mente o atual projeto histórico dessa parcela significativa da classe trabalhadora brasileira. Não penso que o jogo está perdido. Apenas que estamos batendo cabeça no meio-de-campo, precisamos acertar o toque de bola, mas isso só é possível com um diagnóstico preciso da atual situação. Criticar apenas a direção é mais fácil, mas é também incompleto. Penso que o livro de Singer é uma radiografia do modelo atual, lembrando Nélson Werneck Sodré, muito bem feita.
É evidente que não tenho capacidade de evidenciar em poucas e breves linhas a estupenda qualidade do livro, o que pretendo aqui é despertar a curiosidade para essa agradável e necessária leitura, agradável para os amantes das Ciências Sociais e necessária para todos aqueles que pretendem a transformação da sociedade.

Um comentário:

Ana Carolina disse...

Fiquei interessada pela leitura... pena que eu não consigo ler muita coisa ultimamente... seus comentários são pertinentes e vc faz as ressalvas necessárias. : )