terça-feira, 30 de abril de 2013

Do que não precisamos mais (I) - A direita da esquerda





            As origens da direita da Esquerda estão, sobretudo, na opção que a social-democracia fez pelo reformismo. A restrição da luta socialista aos marcos meramente parlamentares, das instituições burguesas, as reformas sociais visavam unicamente atenuar o conflito entre capital e trabalho.
O Golpe Militar no Chile em 1973 significou um revés enorme para a esquerda. As forças reformistas, moderadas, que vinham construindo o Estado de bem-estar social, sobretudo após a crise deste adotam uma postura profundamente eleitoreira. Evidentemente as consequências programáticas foram implacáveis.
O "trabalhista" Tony Blair fez coro com Bush pela guerra
 no Afeganistão
            Para ganhar as eleições, a social-democracia tinha de mostrar-se, comprometido com a concepção liberal de democracia, contra o que significava o comunismo naquela época (o socialismo real) e capaz de gerir o capitalismo em crise. De Margareth Tatcher em diante, os “socialistas” aplicaram cortes nos gastos públicos, sustentando altas taxas de juros e cortando benefícios sociais, desmantelando o Estado de bem-estar social em nome do “equilíbrio fiscal”.  Durante a última crise capitalista, três países periféricos (Grécia, Portugal e Espanha) eram geridos por partidos que adotaram o “socialismo democrático” ou o “liberalismo social”. E quando os trabalhadores se levantam para dizer que não pagarão pela crise, a resposta é repressão.
Embora essa constatação se faça mais nos países centrais, o caso latino-americano não é tão distinto. No caso brasileiro é ainda pior, pois a nossa social-democracia nasceu já sob influência da social-democracia europeia sem inserção no meio sindical, nem partido de massa. Sobre este último assunto há um artigo excelente de Anderson Deo na revista Novos Temas nº 7.
A Concertación – que aglutina setores da social-democracia, do liberalismo social e da democracia cristã, que governou o Chile durante 20 anos não afrontou a política econômica herdada de Pinochet, um neoliberalismo de deixar Hayek orgulhoso, nem foi capaz de realizar uma Constituinte, afinal, a atual Constituição foi uma imposição de Pinochet como condição para deixar o poder. Na Venezuela o responsável pelo absurdo choque neoliberal em 1989, que desencadeou a crise do Caracazo, foi nada menos do que Carlos Andrés Perez, da Acción Democratica, filiada à Internacional Socialista.
O caso do eurocomunismo também não é menor. Surgido como uma alternativa ao modelo soviético, buscando inovações teóricas e práticas, inspirados sobretudo na experiência chilena, foi adotada pelos principais partidos comunistas europeus (PCI, PCE, PCF). Tendo na ampliação da aliança de classes, o momento histórico nacional e a luta eleitoral e parlamentar suas principais propostas, não concebia a necessidade da ruptura com a dominação burguesa, adotando o processo de “democratização” como bandeira. (Braz; 2011). Hegemonia, acúmulo de forças, guerra de posição; o que se fez de fato foi uma leitura reformista e equivocada de Gramsci.
O brilhante economista marxista Ernest Mandel em sua famosa crítica ao eurocomunismo, afirmou se tratar de uma volta à antiga social-democracia. Como se trata de um complexo fenômeno, terminaremos por dizer que seu caminho foi o mesmo da social-democracia. Assim como o PCI, como tal, veio a falecer em 1991, adotando primeiro o nome de “Democráticos de Esquerda” e hoje “Partido Democrático”, converteu-se ao eleitoralismo e a politicagem parlamentar. Entretanto, partidos como a Rifondazone Comunista, o Partito dei Communisti Italiani, dentre outros, tentam recuperar a tradição marxista.
A direita da esquerda abandonou a perspectiva da transformação social, em nome das práticas eleitoreiras da politicagem tradicional.

Referência bibliográfica:

BRAZ, Marcelo. Partido e Revolução (1848 – 1989). São Paulo: Expressão Popular, 2011.
 


segunda-feira, 15 de abril de 2013

No Volverán! No Volverán!




            Não voltarão! Era isso o que gritava a multidão entre bandeiras de partidos do Gran Polo Patriotico, Venezuela, Cuba e o Kollasuyu (bandeira dos povos originários), em uma eleição com altíssimo índice de participação (79% dos aptos a votar), sobretudo para um país em que o voto é facultativo, o que indica uma profunda politização. Deve-se lembrar a enorme quantidade de eleições pelas quais a Venezuela tem passado, o que pode ter como consequência um certo enfado por parte da população.
            Desde que Chávez tornou pública sua doença, logo pensei que era este o momento da verdade, a prova de fogo da Revolução Bolivariana. O momento de sabermos quais os limites do que temos até agora, quais os pontos fracos e fortes e a real possibilidade de seguir adiante sem Chávez.
            A pouca vantagem de Maduro é um prato cheio para a oposição, que cresceu 1 milhão de votos (!) – mas as reais causas são difíceis de analisar, já que as pesquisas não se mostraram corretas. Capriles já disse que não reconhece os resultados. O grande perigo está na confrontação que pode derivar daí.
Não há dúvidas de que esperamos esse resultado até o último momento e que agora o que se faz presente é que cabe a nós, passado o alívio da vitória, prestar atenção em alguns pontos. Não vou me ater àquilo que já sabemos, os logros desse processo de 1999 até aqui.
Bateu na trave, é gol! Foi por pouco...
            Aqueles – dentre os quais me encaixo, que esperavam uma vitória acachapante sofreram com um balde de água fria na cabeça. Essa foi a menor diferença eleitoral desde 1998 (!) quando Chávez ganhou por 51% a 49%. Foi justamente esse o resultado anunciado pelo Consejo Nacional Electoral entre Maduro e Capriles.
            Temos de dizer que Maduro é um péssimo orador, o que não retira sua habilidade política. Mas seu discurso exageradamente cristão e seu apego à imagem de Chávez não lhe permitiu deixar claro para toda a população – principalmente os indecisos, qual a Venezuela que virá adiante.
            A nova cara da velha oposição
            A oposição veio se fortalecendo nos últimos anos e isso é um fator a ser levado em conta. Percebeu que seu discurso antipopular, privatizante não lhe levaria mais do que a simpatia da minoria mais rica, saudosa da antiga República e da alternância entre dois partidos oligárquicos no poder. Já comentei sobre isso antes.
            A oposição, sobretudo Capriles, soube incorporar a linguagem do movimento bolivariano. Passou a usar a bandeira venezuelana em seus comícios, passou a atacar Maduro sem lançar pedras contra Chávez, bem como as palavras que usa em seu discurso por vezes coincidem com as de Chávez. Mas isso é a aparência, a essência é a que estamos acostumados na América Latina, afinal, Capriles foi um dos protagonistas da tentativa de Golpe em abril de 2002.
            A questão é que não basta restringir a luta política à redução da pobreza, porque a oposição pode incorporar (mesmo que no discurso) à sua agenda os programas de assistência social. Apenas isso não basta. Muito tempo de poder desgasta SIM, como sabemos. É preciso saber sempre avançar e recuar.
            “¡El problema es que usted no es Chávez!”
            Essa frase foi dita até a exaustão por Capriles, mas não a usarei aqui da maneira mesquinha como ele a usou. Maduro é um histórico militante socialista, vindo do meio sindical, da clase popular, fez um excelente trabalho como chanceler do governo bolivariano (bote o ingresso da Venezuela no Mercosul e a CELAC na conta dele), e não foi escolhido por Chávez à toa, até porque de bobo Chávez não tinha nada.
            Maduro, apesar disso, realmente não é Chávez. Chávez vinha consolidando sua liderança desde 1992. Apesar de toda sua trajetória louvável, Maduro é um fato político mais recente na vida política Venezuelana, tendo sido mais um homem de bastidores do que de holofotes. Mas já deu algumas pistas. Disse que não haverá pacto com a burguesia.
            Chávez provinha do meio militar, portanto, não só sabia como pensavam os militares como também como ganhá-los e também não descuidou da formação política dos quadros militares, dando-lhes uma feição progressista. Se boa parte das Forças Armadas se declara bolivariana e constitucionalista, sabemos que nunca é demais se precaver, até mesmo porque em matéria de golpe de Estado a América Latina tem PhD. Maduro não é um militar, mas esperamos que saiba ter consigo esse importante setor, cujo porta-voz se declarou com a Constituição.
Al final del viaje... Conclusão?
            Tenho claro que o que há na Venezuela é um processo social, uma revolução política em curso. Por ser processo há uma operação dialética entre a revolução e a contrarrevolução. Não há revoluções irreversíveis.
            Não vislumbro a possibilidade de Maduro levar adiante o projeto de industrialização sem o acirramento da luta de classes e aqui se testará Maduro enquanto liderança política mais a fundo.
            Se a esquerda venezuelana quer passar sem grandes sustos, o Gran Polo Patriotico precisa se preocupar e muito com a conscientização e a educação política dos mais pobres. A oposição cresce e é hora de colocar a superação do desgaste na ordem do dia.
            Maduro precisa agora consolidar sua liderança. Apenas falar sobre Chávez e o sentimento cristão não resolverá o problema. Muitos talvez não tenham votado em Maduro porque não veem nele alguém capaz de garantir a estabilidade política.
É um ponto positivo que haja uma direção coletiva político-militar, isso indica que há a intenção de superar a centralização que caracterizava uma das principais deficiências do chamado “chavismo”.
Temos que reconquistar a hegemonia nos espaços perdidos. Lembrando Salvador Allende: pensemos no amanhã duro que teremos por diante...
           

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Cadê o gatinho que estava aqui?





            Depois de 12 anos parecia que finalmente a oposição venezuelana havia reencontrado seu rumo. Depois do golpe fracassado em Abril de 2002, o boicote às eleições em 2006, Henrique Capriles Radonsky aparecia como alguém equilibrado, que estava disposto a “manter o que é bom”, “dando um choque de eficiência”.
            Capriles apareceu sustentando uma argumentação antiga da direita latino-americana de que haveria duas esquerdas na América Latina. Uma democrática, com a qual se pode dialogar, conciliadora das classes, liderada por Lula e outra totalitária, nostálgica da URSS, que quer destruir as instituições democráticas latino-americanas, mediante propostas populistas e acirramento das lutas de classes. O primeiro a desenvolver essa tese foi o ex-socialista Teodoro Petkoff, convertido à religião do neoliberalismo.
            Capriles, então, apareceu reivindicando a imagem de Lula, mesmo após este ter dado seu apoio a Chávez, e agora a Maduro. Mas Capriles teve uma virtude. Percebeu que a oposição tradicional colapsou, e não ganhará nunca mais as eleições com seu antigo projeto. A IV República era de um grau de corrupção altíssimo, as políticas econômicas neoliberais destruíram o país e a alternativa liderada por Chávez soube construir sua hegemonia. O que Capriles fez, então, foi “incorporar” ao seu discurso as misiones de Chávez, afirmando que iria trazer a elas a eficiência da “administração”. Seu programa, porém, fala em fazer isso por meio de parcerias com a iniciativa privada, o que, sabemos,  representa a privatização das misiones.
            Quem ainda duvidar da real cara de Capriles, por detrás das máscaras, pode acessar a esse artigo: http://migre.me/dZvLl.

A metamorfose – Quando a bela vira fera
            Entretanto, após a morte de Chávez, aquele dócil mocinho, de cabelo arrumadinho deu lugar a um bicho estranho. Capriles ameaçou não concorrer as eleições, visando deslegitima-las e desmoralizar Maduro, que foi implacável na defesa de que a oposição concorresse às eleições e que os dois lados reconhecessem os resultados. Capriles chegou até mesmo a afirmar que o governo e a família de Chávez estavam omitindo a morte de Chávez para ganhar tempo, uma atitude descabida, dada a comoção popular causada por sua morte.
            Aqueles que conhecem a trajetória de Capriles, porém, não se assustam. Aqueles que acompanham a vida política venezuelana e sabem quem o apóia, tampouco.
            O discurso equilibrado de outrora está dando lugar a uma campanha desesperada de ódio e medo. Um deputado no final do ano passado “saltó la talanquera”, como se diz lá, e passou da oposição para o governo, afirmando que não poderia ser conivente com a corrupção. Outros três suplentes da Mesa de Unidad Democrática também abandonaram a coalizão, afirmando que a MUD se prepara para o não reconhecimento dos resultados das eleições, o que seguramente levaria a uma confrontação. Por esses dias, também se conheceram ligações da extrema-direita de El Salvador (Partido ARENA – inspirado na nossa Arena, e Forças Armadas), com ligações com Capriles. O Presidente salvadorenho Funes disse que investigará o caso, pois suspeita-se de um plano de magnicídio.
            A estratégia da campanha está sendo a de “raptar” a simbologia do processo revolucionário. O slogan “hay un camino” está claramente inspirado nas palavras de Chávez. Em um comício realizado há poucos dias atrás nem mesmo o cantor comunista Alí Primera foi poupado, tendo sido usado pela direita. (sobre o assunto recomendo outro artigo: http://migre.me/dZvMa).
O que está em jogo na Venezuela?
            A Venezuela é sem dúvida o processo mais avançado dentre os projetos pós-neoliberais.
            Capriles encarna o desespero da direita latino-americana, que busca por todos os meios voltar ao poder. Sua vitória significaria um retrocesso sem precedentes. O projeto da integração latino-americana, não só econômica, mas política, a organização dos movimentos populares, a volta das privatizações, enfim, a volta dos anos 1990.
            Enquanto isso, a palavra de ordem no programa econômico de Maduro é contundente: industrializar o país e fortalecer a agricultura. O que isso significaria? O começo da independência econômica do país, que possui terras férteis, mas importa comida, porque os governos anteriores priorizaram sempre o petróleo, um país com enorme potencial exportando matéria-prima.
Felizmente, os venezuelanos não têm ilusões e sabem que dentro dos limites do capitalismo é impossível concretizar esse projeto. Talvez por isso uma das primeiras atitudes de Maduro tenha sido chamar o Partido Comunista da Venezuela (que faz várias críticas ao processo, afirmando a necessidade de sua radicalização), para se incorporar à direção político-militar da revolução bolivariana.
Na Venezuela está se disputando o destino da luta de classes na América Latina e a consolidação de um projeto alternativo ao neoliberalismo, de viés socialista. A revolução socialista não vem de cima pra baixo, ela é construída por um processo, no qual a tomada do poder constitui uma parte (crucial, mas uma parte). Por isso devemos estar com Maduro.