sexta-feira, 26 de julho de 2013

O socialismo para o século XXI – Sobre “O Socialismo no século XXI” de Atílio Boron



“Certamente, não queremos que o socialismo na América Latina seja decalque e cópia” – José CarlosMariátegui






    A frase de Mariátegui é um brilhante desdobramento do método marxista, da filosofia da práxis e certamente esse é o espírito do livro de Atílio Boron, editado pela Expressão Popular. Quando se fala em renovação do socialismo a esquerda fica em estado de alerta. A “renovação” em grande parte das vezes se apresentou apenas como capitulação perante a ofensiva neoliberal, cujas consequências todos conhecemos. Felizmente, ao contrário de pensadores como Dietrich, Atílio Boron, reconhecido pensador argentino, não quer pensar um socialismo DO século XXI, senão um socialismo PARA o século XXI.
    A infinidade e a complexidade dos temas tratados no livro impedem que eu faça em pouco tempo uma apreciação justa sobre seu trabalho, que me parece fundamental para a esquerda que pretende recolher os estilhaços do muro de Berlim e seguir em frente sem abandonar a perspectiva do socialismo.

Que capitalismo se tem para desenvolver na periferia
    A primeira secção do livro está inteiramente dedicada a criticar o pensamento  ortodoxo, bem como uma certa “centro-esquerda” latino-americana que aposta no desenvolvimento do capitalismo nacional. O ponto é simples: de que capitalismo nacional se trata se nós não temos burguesia nacional? Há uma passagem interessantíssima em que nosso autor aqui lembra; na América Latina as tentativas de desenvolvimento do “capitalismo nacional” foram sufocadas pela própria burguesia, justamente porque isso não podia se dar sem acirramento da luta de classes.
Esforçando-se em mostrar, retomando as conclusões da Teoria Marxista da Dependência (Marini, Florestan Fernandes, Gunder Frank, entre outros) que não há capitalismo a se desenvolver  na periferia, lembra que uma coisa é que a economia cresça, e isso já vimos, outra é que ela se desenvolva. Dessa forma, países periféricos já tiveram índices fantásticos, o que não significou uma melhora na condição da reprodução na vida das classes subalternas, muito menos que tais países se tornassem desenvolvidos. O capitalismo na periferia esgotou suas possiblidades.

Qual é o modelo?
    Boron lembra, citando o poeta espanhol Antonio Machado “não há caminho, caminho se faz ao andar” que não há modelos a seguir. Se houve um grande erro geral da esquerda em todo o século XX foi o de ter na Revolução Russa a única referência de experiência revolucionária válida, não é à toa que a revolução cubana até os 45 minutos do segundo tempo não contou com apoio do Partido Comunista Cubano, que governara com Batista.
    A falsa moeda existente entre reforma e revolução, que frequentemente é tida como dogma por boa parta da esquerda (tanto revolucionária quanto reformista) é dissolvida pelo politólogo. Lembrando que nunca se teve tantas condições objetivas e tão poucas subjetivas para o salto revolucionário, ele vê na proposição de algumas reformas a possibilidade da criação de condições subjetivas.
Sugerindo alguns pontos para a construção de uma agenda pós-neoliberal, o que não o impede de reconhecer os limites das reformas. Critica-se tanto o reformismo quanto o revolucionarismo, cujo esporte principal é o de identificar os “traidores” do movimento social ao longo da história.
    O nosso problema é que o programa que devemos propor é o de máximo avanço, mas até onde a correlação de forças e o grau de desenvolvimento da consciência das massas permitir, não podemos instituir o socialismo de cima para baixo, até mesmo porque quem tentou fazê-lo se deu muito mal. Os exemplos citados são vários.
    Tanto a Revolução Russa, quando o que desencadeou o processo revolucionário foi uma palavra de ordem muito simples “pão, paz e terra”, que poderiam ter sido incorporadas pelo capital, quanto o assalto ao Quartel Moncada, cujo programa não era socialista. As lutas pelo socialismo nunca começaram e nem vão começar apresentadas como tais.
    Não se trata de etapismo, mas sim do caminho a percorrer.
    O reconhecimento da necessidade de perceber a complexidade dos novos sujeitos sociais que são contemplados pelo projeto socialista também está presente. Se o proletariado clássico industrial já não é mais dominante, aparece uma nova modalidade de setores espoliados que são potenciais aliados, ao que chama de sujeito “povo”, retomando a noção empregada por Fidel em A história me absolverá.

E o nosso fim da história? Al final del viaje empieza un camino, outro buen camino...
    A questão do estatismo, que engessa a mobilização das massas, também não fica de fora quando se trata de estabelecer o que “não deve ser” o socialismo do século XXI. Citando várias vezes Fidel e Raúl Castro, Boron critica essa pesada herança, reconhecida como deficiência pelos próprios líderes cubanos e apareceu como preocupação de Mujica recentemente.
    Atílio Boron também lembra que também a reformas a se fazer dentro do socialismo. Ele não é o fim da história, mas como lembra o cantor Silvio Rodríguez, no final da viagem começa um caminho, outro bom caminho. Quando as revoluções se estagnaram ao longo da história elas pereceram e as consequências foram drásticas. O que se pretende é iniciar uma contribuição coletiva, da qual todos devemos fazer parte, pois o que temos diante de nós é uma encruzilhada na qual escolheremos entre:
Socialismo ou (mais) barbárie!


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ser ou não ser, o velho novo dilema

    No meio do fogo cruzado surgem ideias boas, ruins, algumas que podem perdurar, outras que morrem em seguida. Por medo de escrever muita bobagem e também pelo conturbado final de semestre, não pude cuidar deste cronicamente moribundo blog.
    Penso já ser possível pensar em algumas indicações bem primárias para tentarmos compreender as mobilizações, embora outros muito mais competentes já o tenham feito.
 
Conciliação de classes e limites do neodesenvolvimentismo
    As manifestações nos mostram que podemos estar chegando ao fim de um ciclo. Lula foi, por assim dizer, o grande “bombeiro da luta de classes”. Conseguiu conciliar os interesses da maior parte da classe trabalhadora (o subproletariado) com os de uma boa parte da burguesia interna (vou sugerir fontes no final desse texto).
    Entretanto, nenhum pacto de classes é eterno e todo desenvolvimento capitalista nos países dependentes tem curto prazo de validade. A redução lenta da pobreza no governo Lula-Dilma, a redução da desigualdade (igualmente lenta), e as melhores condições econômicas, mas principalmente o baixo índice de desemprego possibilitaram melhores condições de luta, bem como permitem que se coloque na ordem do dia a conquista de mais direitos sociais, o que fica visível quando vemos reivindicações que nos parecem vazias como “mais educação”, “mais saúde”, “revogação do aumento da tarifa”.
    A grande maioria que está nas ruas é a juventude, seja de uma classe média, que outrora fora aliada da esquerda, e de uma classe trabalhadora não-organizada e sem perspectivas. O inimigo de classe está nas ruas, mas para tentar capitanear essa vontade de mudança, mas não é ele a essência do movimento.
    O fato de haver uma grande despolitização nas manifestações não anula o anseio por mudanças. São anos de uma educação política pautada pela Veja, pela Globo, pela Folha e pelas Igrejas evangélicas, bem como o silêncio da esquerda e sua restrição aos debates fratricidas.
    Não poderia passar sem deixar o elogio à Dilma por (bem ou mal) ter chamado à necessidade da reforma política. Deixou a postura defensiva da “gestora”, deixou a tecnocracia e politizou a política. Cabe ao Partido dos Trabalhadores sair da sua postura excessivamente defensiva, de refém do governismo e entrar no debate político com a sociedade, bem como toda a esquerda organizada (PSOL, PSTU, PCB, sindicatos, entidades estudantis e o escambau).
A disputa é por dentro!
    Depois das abusivas repressões (que não pararam ainda em boa parte do Brasil), a mídia percebeu que em tempos de youtube e facebook a manipulação de imagens não dá mais conta. A tática da classe dominante passou a ser se organizar dentro das manifestações e pautá-las de acordo com seus interesses.
    O que estava acontecendo era algo extraordinário que a esquerda não percebeu, e que uma boa parte não percebe, pois como nos lembra Marx os homens fazem, mas não sabem que fazem. O que aconteceu nesse momento é que a batalha ideológica voltou de forma a engrossar a luta de classes depois de ter tido um bruto arrefecimento nos anos 1990.
    E não se deve ter uma visão caricatural da luta de classes. Ela não é necessariamente a invasão do Palácio de Inverno com tochas acesas, não é necessariamente armar barricadas na Espanha. Ela é toda a disputa política que tem como norte avançar ou retroceder.

Como diria Lênin...
    E aqui penso, modestamente, que é necessário voltarmos nossas atenções. A recusa aos partidos de esquerda, que “nunca dormiram”, é um elemento importante que nos mostra que as organizações de esquerda não conseguiram ao longo desses anos falar a língua do povo como conseguiam nos anos 1980. Precisamos nos deter muito sobre esse tema para avançar.
    Isso somado ao ataque brutal de organizações de direita que insuflaram manifestantes a agredirem militantes da esquerda, a rasgarem bandeiras de partidos, sindicatos, movimentos Negro e LGBTT, fez com que muitos do nosso lado deixassem de lado a importância dessas manifestações, o que significa dar munição para a direita.
    Não é um bom caminho para quem quer avançar. Quando disserem “contra a corrupção” temos de dizer SIM! Que se investiguem as privatizações, as empresas privadas que recebem financiamentos públicos, concorrências públicas, que se tenha na participação popular mecanismos de controle. E por aí vai...
    O momento é de ganharmos as consciências e não de abandoná-las à própria sorte, permitindo que o aventureirismo da direita nos leve a retroceder ainda mais.
    A solução para o problema vem na pergunta de Lênin: QUE FAZER? Não existe fórmula mágica. Mas quanto mais cedo começarmos a pensar, mais cedo poderemos forjar a unidade na esquerda, que não precisa ser unidade nas urnas, mas nas lutas e mais cedo poderemos passar a ação efetiva. Não é hora de sectarismo infantil, o que se abre diante dos nossos olhos é a possibilidade de mudança progressiva ou regressiva.

Os artigos que sugiro são: Raízes sociais e ideológicas do lulismo, de André Singer e As bases políticas do neodesenvolvimentismo de Armando Boito Júnior.