Os
meios de comunicação burgueses andam alvoroçados. O presidente e comandante da
Revolução Bolivariana Hugo Chávez declarou ontem que terá de regressar a Cuba
para seguir seu tratamento, na sua luta contra o câncer.
O
quadro não é dos mais animadores. Células malignas reincidiram na mesma área
que foi operada pela primeira vez. Ciente disso, Chávez declarou: “si me pasa
algo, elijan a Nicolás Maduro”.
Quando
fiquei sabendo do câncer de Chávez pensei que seria esta a prova de fogo dessa
revolução política. Sempre soube que Chávez não é um caudillo, não é um
populista e que, mesmo não sendo um socialista ortodoxo, nos velhos moldes
estalinistas, está sim comprometido com a busca por um socialismo do século
XXI, ou seja, uma recusa de repetir os erros da URSS, indo contra os
nostálgicos que ainda pensam em fazer política apropriando-se dos “espíritos do
passado”, com uma “linguagem emprestada”, como dizia Marx n’ O 18 Brumário, o que, evidentemente
culmina com a leitura equivocada da realidade, sobretudo quando a intenção é
fazer a política em um sentido revolucionário.
Historicamente...
A
importância histórica de Chávez não se resume ao fato de que ele foi líder de
um movimento militar, mas um movimento militar de cunho progressista, cuja
ideologia bolivariana tem suas origens no plano “Andrés Bello” de formação
militar, que culminou em 1983 com a fundação do Movimiento Bolivariano
Revolucionario – 200, uma célula clandestina no Exército. Ou seja, não é um
oportunista, ao contrário do protagonista “medíocre” do livro referido de Marx.
O levante de
4/01/1992 teve como objetivo não instaurar uma ditadura militar, mas romper com
o modelo constitucional que vigorava desde 1958, com o Pacto de Punto Fijo, um
pacto firmado entre dois partidos burgueses: Accion Democratica (de orientação
social-democrata) e o COPEI (social-cristão). Entretanto, ambos os partidos o
que fizeram ao longo de sua existência foi dizer “sim, senhor” às ordens de
Washington, perseguindo ferozmente os comunistas e demais opositores (mesmo
após o PCV se comprometendo em abandonar a guerrilha) e servindo de laboratório
para a ingerência da CIA em território latino-americano. Não é necessário falar
sobre a histórica exclusão das classes trabalhadoras em toda América Latina.
O MBR – 200 visava,
por meio do golpe de Estado afastar o governo corrupto de Carlos Andrés Perez,
que tendo anunciado um pacote de austeridade nos moldes neoliberais do FMI,
ordenou o massacre do povo caraqueño em 1989, cuja reação foi o saque de supermercados
buscando bens de primeira necessidade, que não tinham dinheiro para adquirir.
Após o
fracasso e o famoso “por ahora”, é solto em 1994, tendo decidido,
posteriormente, concorrer às eleições de 1999, que ganhou heroicamente passando
dos 10% tradicionais da esquerda venezuelana para mais de 50%.
Evolução
do pensamento
Se antes o
discurso de Chávez era “ni capitalismo, ni socialismo”, ele passa a assumir o
papel daquele que está encarregado de buscar um modelo alternativo ao
neoliberalismo, cujo fracasso acarretou em arrochos salariais, precarização do
trabalho, corte de direitos trabalhistas.
Não sei ao
certo, quando exatamente ele passa a falar de socialismo do século XXI. Mas
pode-se dizer que é uma vitória, ainda mais num continente em que,
principalmente depois do golpe militar no Chile em 1973 essa palavra
desapareceu do horizonte político, tendo servido apenas como um estigma.
Considero uma evolução no pensamento de Chávez e não apenas um oportunismo
linguístico.
A conjuntura
também foi favorável. Vários líderes progressistas subiram ao poder na mesma
época com um discurso antineoliberal. A vitória de Chávez inaugura uma nova era
na América Latina.
Conseguiu-se
também, na Venezuela, uma mobilização popular impressionante, que se mostrou
implacável no combate ao golpe civil-militar de abril de 2002, tendo
resistência inclusive dentro das próprias fileiras do Exército. Também se
mostra essa organização nas manifestações, nos consejos comunales (órgãos que
funcionam como uma forma de construção do poder popular), nos referendos em que
a população é chamada a decidir sobre temas candentes, como aprovação de uma
nova constituição ou alterações nas mesmas etc.
As vitórias
políticas nos últimos anos também são inegáveis. Redução drástica da pobreza
extrema, os índices de analfabetismo lá no chão, bem como o desemprego, se a
inflação sobe os salários acompanham, sendo o maior salário mínimo do
continente americano.
Lições
do Chile de Allende
Se
uma das causas da derrota da Unidad Popular pode ter sido a ausência de uma estratégia
militar, Chávez se demonstra munido em relação a isso, soube trazer para si as
Forças Armadas, neutralizando os setores conservadores.
Porém,
penso que há um aspecto mais importante e mais interessante nisso tudo. O Golpe
no Chile em 1973 não destruiu a organização popular forjada ao longo do período
1969-1973, tendo permanecido durante a ditadura, principalmente nas poblaciones (as favelas), que foram um
grande foco de resistência.
Então,
o que se vê na Venezuela é um processo social, lento, mas que de 1990 para cá
veio em um sentido ascendente, possuindo alguns marcos, sendo a vitória de
Chávez em 1999 um desses. Mas o que está em jogo, é garantir que esse processo
continue, desenvolva-se, garantindo não só melhoras nas condições de vida da
classe trabalhadora, mas também fornecer elementos para a construção de sua
libertação.
Resta,
então, aos crentes rezar, aos não crentes torcer pela saúde do presidente
Chávez, embora suas ausências anteriores não tenham revelado divisões internas
no núcleo dirigente e garantir que o projeto permaneça, pois, à diferença dos
homens, as ideias não morrem tão facilmente.
2 comentários:
Mesmo que não o identifiquemos com o socialismo (ao menos não o socialismo marxiano), o processo bolivariano possui dois traços progressistas: a) a integração da América Latina; b) enfrentamento ao imperialismo.
Esses dois traços, limitados que possam parecer -e que remontam às formulações do próprio Bolívar- são suficientes para que forneçamos nosso apoio.
Há quem caracterize o governo Chávez como um nacionalismo burguês de caráter bonapartista. Mas não se pode negar que coloca o socialismo na ordem do dia e conclama diretamente a classe trabalhadora venezuelana (fomentando a democracia direta, num dos processos mais avançados, nesse sentido, no mundo), o que torna o governo Chávez qualitativamente superior aos nacionalismos burgueses ordinários (Kadafi, Saddam).
O risco do processo bolivariano é justamente sua personificação. O título do post é feliz por isso: "Uma revolução não pode depender de um líder". A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, como diz Marx, e não dos guias geniais e grande timoneiros de qualquer tipo.
A doença de Chávez, nesse sentido, é uma prova de fogo. Quem viver verá.
É isso, Francisco. Abraço,
Francisco, só discordo de você em aspectos secundários. Por exemplo, acho que o apoio a Chávez no momento é decrescente. Capriles teve 45% dos votos nas últimas eleições. Estes indícios de queda de popularidade não deveriam ser ignorados e as causas têm que ser buscadas. Por que as "misiones" já não são suficientes para obter avanços sociais? Que tal tentar esta análise?
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