segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Uma revolução não pode depender de um líder





            Os meios de comunicação burgueses andam alvoroçados. O presidente e comandante da Revolução Bolivariana Hugo Chávez declarou ontem que terá de regressar a Cuba para seguir seu tratamento, na sua luta contra o câncer.
            O quadro não é dos mais animadores. Células malignas reincidiram na mesma área que foi operada pela primeira vez. Ciente disso, Chávez declarou: “si me pasa algo, elijan a Nicolás Maduro”.
            Quando fiquei sabendo do câncer de Chávez pensei que seria esta a prova de fogo dessa revolução política. Sempre soube que Chávez não é um caudillo, não é um populista e que, mesmo não sendo um socialista ortodoxo, nos velhos moldes estalinistas, está sim comprometido com a busca por um socialismo do século XXI, ou seja, uma recusa de repetir os erros da URSS, indo contra os nostálgicos que ainda pensam em fazer política apropriando-se dos “espíritos do passado”, com uma “linguagem emprestada”, como dizia Marx n’ O 18 Brumário, o que, evidentemente culmina com a leitura equivocada da realidade, sobretudo quando a intenção é fazer a política em um sentido revolucionário.
Historicamente...
A importância histórica de Chávez não se resume ao fato de que ele foi líder de um movimento militar, mas um movimento militar de cunho progressista, cuja ideologia bolivariana tem suas origens no plano “Andrés Bello” de formação militar, que culminou em 1983 com a fundação do Movimiento Bolivariano Revolucionario – 200, uma célula clandestina no Exército. Ou seja, não é um oportunista, ao contrário do protagonista “medíocre” do livro referido de Marx.
O levante de 4/01/1992 teve como objetivo não instaurar uma ditadura militar, mas romper com o modelo constitucional que vigorava desde 1958, com o Pacto de Punto Fijo, um pacto firmado entre dois partidos burgueses: Accion Democratica (de orientação social-democrata) e o COPEI (social-cristão). Entretanto, ambos os partidos o que fizeram ao longo de sua existência foi dizer “sim, senhor” às ordens de Washington, perseguindo ferozmente os comunistas e demais opositores (mesmo após o PCV se comprometendo em abandonar a guerrilha) e servindo de laboratório para a ingerência da CIA em território latino-americano. Não é necessário falar sobre a histórica exclusão das classes trabalhadoras em toda América Latina.
O MBR – 200 visava, por meio do golpe de Estado afastar o governo corrupto de Carlos Andrés Perez, que tendo anunciado um pacote de austeridade nos moldes neoliberais do FMI, ordenou o massacre do povo caraqueño em 1989, cuja reação foi o saque de supermercados buscando bens de primeira necessidade, que não tinham dinheiro para adquirir.
Após o fracasso e o famoso “por ahora”, é solto em 1994, tendo decidido, posteriormente, concorrer às eleições de 1999, que ganhou heroicamente passando dos 10% tradicionais da esquerda venezuelana para mais de 50%.
Evolução do pensamento
Se antes o discurso de Chávez era “ni capitalismo, ni socialismo”, ele passa a assumir o papel daquele que está encarregado de buscar um modelo alternativo ao neoliberalismo, cujo fracasso acarretou em arrochos salariais, precarização do trabalho, corte de direitos trabalhistas.
Não sei ao certo, quando exatamente ele passa a falar de socialismo do século XXI. Mas pode-se dizer que é uma vitória, ainda mais num continente em que, principalmente depois do golpe militar no Chile em 1973 essa palavra desapareceu do horizonte político, tendo servido apenas como um estigma. Considero uma evolução no pensamento de Chávez e não apenas um oportunismo linguístico.
A conjuntura também foi favorável. Vários líderes progressistas subiram ao poder na mesma época com um discurso antineoliberal. A vitória de Chávez inaugura uma nova era na América Latina.
Conseguiu-se também, na Venezuela, uma mobilização popular impressionante, que se mostrou implacável no combate ao golpe civil-militar de abril de 2002, tendo resistência inclusive dentro das próprias fileiras do Exército. Também se mostra essa organização nas manifestações, nos consejos comunales (órgãos que funcionam como uma forma de construção do poder popular), nos referendos em que a população é chamada a decidir sobre temas candentes, como aprovação de uma nova constituição ou alterações nas mesmas etc.
As vitórias políticas nos últimos anos também são inegáveis. Redução drástica da pobreza extrema, os índices de analfabetismo lá no chão, bem como o desemprego, se a inflação sobe os salários acompanham, sendo o maior salário mínimo do continente americano.
Lições do Chile de Allende
            Se uma das causas da derrota da Unidad Popular pode ter sido a ausência de uma estratégia militar, Chávez se demonstra munido em relação a isso, soube trazer para si as Forças Armadas, neutralizando os setores conservadores.
            Porém, penso que há um aspecto mais importante e mais interessante nisso tudo. O Golpe no Chile em 1973 não destruiu a organização popular forjada ao longo do período 1969-1973, tendo permanecido durante a ditadura, principalmente nas poblaciones (as favelas), que foram um grande foco de resistência.
            Então, o que se vê na Venezuela é um processo social, lento, mas que de 1990 para cá veio em um sentido ascendente, possuindo alguns marcos, sendo a vitória de Chávez em 1999 um desses. Mas o que está em jogo, é garantir que esse processo continue, desenvolva-se, garantindo não só melhoras nas condições de vida da classe trabalhadora, mas também fornecer elementos para a construção de sua libertação.
            Resta, então, aos crentes rezar, aos não crentes torcer pela saúde do presidente Chávez, embora suas ausências anteriores não tenham revelado divisões internas no núcleo dirigente e garantir que o projeto permaneça, pois, à diferença dos homens, as ideias não morrem tão facilmente.

2 comentários:

J.L.Tejo disse...

Mesmo que não o identifiquemos com o socialismo (ao menos não o socialismo marxiano), o processo bolivariano possui dois traços progressistas: a) a integração da América Latina; b) enfrentamento ao imperialismo.

Esses dois traços, limitados que possam parecer -e que remontam às formulações do próprio Bolívar- são suficientes para que forneçamos nosso apoio.

Há quem caracterize o governo Chávez como um nacionalismo burguês de caráter bonapartista. Mas não se pode negar que coloca o socialismo na ordem do dia e conclama diretamente a classe trabalhadora venezuelana (fomentando a democracia direta, num dos processos mais avançados, nesse sentido, no mundo), o que torna o governo Chávez qualitativamente superior aos nacionalismos burgueses ordinários (Kadafi, Saddam).

O risco do processo bolivariano é justamente sua personificação. O título do post é feliz por isso: "Uma revolução não pode depender de um líder". A emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, como diz Marx, e não dos guias geniais e grande timoneiros de qualquer tipo.

A doença de Chávez, nesse sentido, é uma prova de fogo. Quem viver verá.

É isso, Francisco. Abraço,

Gilda Queiroz disse...

Francisco, só discordo de você em aspectos secundários. Por exemplo, acho que o apoio a Chávez no momento é decrescente. Capriles teve 45% dos votos nas últimas eleições. Estes indícios de queda de popularidade não deveriam ser ignorados e as causas têm que ser buscadas. Por que as "misiones" já não são suficientes para obter avanços sociais? Que tal tentar esta análise?