Fiquei
feliz pelos comentários a respeito do artigo sobre o Chávez que publiquei por
aqui.
Alguns amigos, camaradas trouxeram
questões que só tem a enriquecer. Vou tentar dentro das minhas limitações e
dificuldades teóricas e práticas desenvolver o assunto.
Bonapartismo?
Alguns pretensos trotskistas tentam, de forma anacrônica, a
caracterização do governo de Chávez com termos como Frente Popular, nacionalismo
pequeno-burguês. Trotsky chamava atenção, tratando da situação do governo de
frente popular na Espanha, para o fato de que “a revolução envolve os problemas
políticos em sua magnitude, na sua fase
atual, lhes dá a forma parlamentar”, ressaltando também a importância das
conquistas democráticas para o desenvolvimento da revolução. A Espanha de 1933
não é a Venezuela de 2012, mas indubitavelmente há uma revolução política em
curso na Venezuela, na qual abrir mão de se valer das conquistas democráticas
implicaria no esvaziamento político desse processo social de reascenso das
massas e na derrota dessa situação revolucionária.
Ora, a universalização de direitos sociais, promovidas pelas
“misiones”, grandes programas de assistência que levam saúde, alimentação,
educação e moradia para os setores excluídos, a realização de plebiscitos e
referendos, os consejos comunales, democratização das comunicações, são
conquistas democráticas, que só tem a contribuir para o andamento da revolução
bolivariana, creio não ser necessário explicar aos “revolucionários” o porquê.
Sem Fevereiro não tem Outubro, fazendo-me entender, sem revolução política não
há revolução social.
Como diz o militante trotskista Alan Woods em “Los marxistas y
la revolucion venezolana”: “Um
revolucionário que não está disposto a seguir as massas, através deste processo
contraditório não será em absoluto um revolucionário”, e a revolução não
tem como não ser um processo contraditório, porque é dialético, o resto é
sectarismo, futurologia e palpite, mas por ora, o que se tem é que este é o
caminho. O Estado é um espaço de disputa pela hegemonia e, pela primeira vez na
Venezuela, está nas mãos de um partido operário.
Engels passou a aplicar o termo “bonapartismo” como a ditadura
militar sob a égide do capital e, como aponta Florestan Fernandes, Marx “não
endossaria a transformação subsequente de um conceito histórico em um conceito
abstrato e de validade geral”. Caracterizar o governo Chávez como autocrático
seria o cúmulo da tentativa desesperada de adequação teórica à prática política
aos moldes da III Internacional, cujos desdobramentos foram drásticos,
culminando num refluxo das lutas populares. Além disso, o fato de Chávez ter
convocado uma Constituinte, submetida ao juízo popular, que alterou muitas das
regras do jogo burguês, elimina esse suposto caráter bonapartista.
Todo partido está sujeito ao substitucionismo e não existe uma
fórmula mágica para a proteção do movimento operário, mas acho que em relação a
isso os consejos comunales cumprem um papel decisivo, pois é impossível que
funcione tal estrutura política sem que haja lideranças, além de outras figuras
no governo que são de grande preparo político e ideológico, como Elias Jaua,
Nicolás Maduro, Diosdado Cabello etc.
A candidatura de Chávez nas últimas eleições de 1999 pra cá,
embora seja necessária pelo seu respaldo popular, pode acarretar num desgaste
de sua imagem.
Também é presente, como ressalta o camarada Joycemar Tejo (um
marxista pelo qual tenho grande apreço e me ajudou a trabalhar em cima dessa
questão), que o socialismo está na ordem do dia na Venezuela. O fato são que o
Estado é um espaço fundamental de disputa pela hegemonia e há um processo
social ascendente em curso e as massas estão com Chávez. Os problemas de
desgaste da Revolução serão tratados mais adiante.
Penso, portanto, que não seria muito inteligente da parte dos
trotskistas repetirem os erros do método estalinista (reducionismo e modelos
pré-concebidos).
O nacional
Um argumento no mínimo engraçado do PSTU, que justificaria o
apoio a um outro candidato com palavras de ordem prontas e críticas rasas ao
modelo “chavista” (que é uma abstração), refere-se a uma declaração nitidamente
feita de modo irônico por Chávez de que Obama votaria nele porque ele garante
estabilidade e a venda de petróleo para os Estados Unidos.
Ignora-se, aqui, não só a condição histórica de dependência dos
países latino-americanos, como também um fato prático: ou a Venezuela vende
petróleo para os EUA ou fecha a conta e passa a régua e abre falência, é um
fruto da dialética da dependência, como categorizava Ruy Mauro Marini. Ou seja,
um país da periferia que exporta um produto primário para um país do centro,
que domina o âmbito das relações internacionais, e que possui tecnologia.
Nossa burguesia, no contexto das relações de produção, não tem interesses
em um projeto “nacional”, exatamente porque é dependente.
Porque estou recuperando esse debate histórico? A partir desse
ponto de vista, a luta anti-imperialista caminha num sentido anticapitalista.
Sendo dessa desigualdade que se alimenta a reprodução do capital e a
apropriação privada dos países ricos, o processo de integração da América
Latina, que se dá no nível do mercado no MERCOSUL, mas em nível político na
UNASUL e na ALBA, constituem instrumentos importantes para reverter essa
condição subalterna. É claro que não vai ser isso que vai garantir a derrocada
do capitalismo, mas é evidente que é um passo real, pois romper com o FMI e a
ALCA foi uma vitória histórica de alguns países latino-americanos, é, portanto,
um movimento progressivo.
Por mais que no MERCOSUL não esteja na ordem do dia o rompimento
com o capitalismo, os diagnósticos de que o neoliberalismo não deu certo é
hegemônico, o que não quer dizer que países como o Brasil e o Chile não adotem
políticas econômicas ortodoxas.
A integração
latino-americana coloca em xeque a política imperialista dos EUA e da União
Europeia. Quando do golpe do Paraguai, por exemplo, a UNASUL foi quem enviou
uma comissão para averiguar os fatos, não aceitando quaisquer imposições.
As “misiones” já não são o suficiente?
O grande trunfo das “misiones” foi o de
trazer de volta ao Estado a responsabilidade em relação aos direitos sociais, o
que havia sido desmantelado pelo neoliberalismo, embora a exclusão das massas
da cidadania seja histórica em toda América Latina. Dessa forma, os pobres
finalmente puderam ter acesso aos direitos já mencionados anteriormente.
Evidentemente que a burguesia
venezuelana (e do resto do mundo), não tardou em alertar sobre o “populismo”
que estava emanando de Chávez, que “naturalmente fazia reformas sociais para se
promover e se perpetuar no poder”.
Entretanto, nas últimas eleições a
burguesia venezuelana percebeu que se quisesse recuperar o poder pela via
eleitoral teria de incorporar as Misiones ao seu programa político, e foi o que
Capriles, de forma muito demagógica fez, sem falar nas alterações que faria
caso eleito, o que na prática seria uma farra para ONG’s interessadas em
parcerias muito vantajosas com o Estado.
A oposição também percebeu que a
integração latino-americana é uma fatalidade, o que não quer dizer que seja
irreversível, já que a história mostra que tudo sempre pode vir abaixo, e
passou a dizer que Capriles representaria a “nova esquerda”, que era o
representante do modelo moderado de Lula e não o radicalismo prejudicial do “chavismo”,
a despeito de ter recebido o apoio de Fernando Henrique Cardoso e,
posteriormente Lula ter declarado apoio a Chávez. O que se coloca aqui é que a
oposição percebeu que o discurso do “perigo comunista que está ameaçando nossa
democracia no continente” funciona com meia-dúzia de jornalões oligárquicos,
mas não para uma massa historicamente excluída e reprimida por esses mesmos que
agora reclamam “liberdade e democracia”.
O discurso de outrora de que "se a direita ganhar, perderemos nossos direitos sociais", entretanto, se vê comprometido. Como diz Marcelo Freixo, "a luta política é uma luta pedagógica" e nesse sentido a revolução deve continuar atuando, mostrando que não é apenas isso o que se tem a oferecer ao país, senão um projeto de médio e longo prazo.
Crescimento da oposição: apoio decrescente?
A candidatura de Capriles conseguiu
unir a maioria da oposição venezuelana que, em um processo que não é inerente
às suas práticas tradicionais, por meio de prévias escolheu este ser moderado, que
participou do golpe de abril de 2002 e tentou invadir a embaixada cubana, após
ter cortado o fornecimento de água, além de possuir relações com o DEM
brasileiro e com a secção venezuelana da TFP.
Sendo na Venezuela o voto
facultativo, o fato de 80% dos aptos a votar terem comparecido, revela que há
um nível de politização alto e o fato de a oposição ter chegado a 44% dos
votos, após sucessivas derrotas acachapantes se faz preocupante. Figuras que
permanecem muito tempo exercendo cargos na política, tendem, com o tempo, pelo
desgaste de sua imagem a perecer politicamente, e creio que aqui no Brasil
temos um caso emblemático, Serra.
O contexto em que se dá essa
votação, porém, traz um elemento inteiramente novo e repentino, que
aparentemente não influi, mas, pelo pouco contato que tive com estudos em
relação ao comportamento eleitoral, creio ser de grande pertinência. A doença
de Chávez, mas não é só a doença de Chávez, senão a campanha de medo que se
fez, por parte da direita, visando colocar sua derrota como a única maneira de
assegurar a estabilidade política, afinal, “se ele morrer quem vai governar?”.
Em um continente marcado pela instabilidade política, que é sempre muito penosa
para o povo, a estabilidade política aparece como um fator que pesa no voto.
Isso não quer dizer, que os
dirigentes da revolução bolivariana não tenham que olhar para o próprio rabo,
pois nenhum processo é 100%. Surgem novos fenômenos sociais, surgem novas
demandas, sobretudo quando se tem um acesso ao emprego quase universalizado.
Passados 13 anos do governo bolivariano é hora de se fazer um balanço do que
foi feito e começar a pintar quais serão as preocupações daqui para frente. É
fato, por exemplo, que Caracas é a capital mais violenta da América do Sul, apesar
das conquistas sociais, evidentemente esse é um grande desafio.
Não creio ser possível, com o que tenho,
sabendo que é muito pouco, dar um diagnóstico sobre qual a causa (embora eu
creia que sejam as causas, no plural) desse crescimento da oposição
venezuelana.
Por ora, as massas continuam se
organizando em torno de Chávez, e essa organização tem grande poder de
mobilização e é isso que continua e continuará dando suporte ao projeto bolivariano.
Todo passo é sempre um passo.
Um comentário:
"Todo partido contém as limitações e as grandezas da sociedade em que emerge e das classes que representa. Ele reproduz e supera carências históricas e políticas, mas em algum ponto sofre as determinações estruturais, dinâmicas e históricas das contradições que provocam o seu nascimento e crescimento."
Florestan Fernandes
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