A
esquerda que não teme dizer seu nome – Vladimir Safatle
Capa do livro |
Terminei
ontem de ler o livro “A esquerda que não teme dizer seu nome”, de Vladimir
Safatle, cujo objetivo é, segundo ele, reafirmar alguns valores e renovar
outros, para, a partir daí pensar a ação política. Tentarei apresentar muito brevemente e superficialmente alguns elementos da discussão feita pelo filósofo e professor da USP Vladimir Safatle.
Confrontando
o suposto esgotamento do pensamento da esquerda, que é o delírio do senso
comum, sobretudo dos meios de comunicação do grande capital, Safatle é capaz de
trazer diversos elementos para a discussão de como orientar a ação política de
esquerda, o que se faz urgente, sobretudo num contexto de colapso do chamado
“socialismo real” (que de real não tem nada), da desresponsabilização do Estado
no neoliberalismo.
Perpassando
o contexto político atual, ainda que de forma superficial (mas precisa),
Safatle começa a dar as pinceladas do esboço do livro, criticando fortemente o
senso comum conservador, e uma certa esquerda, que quando chega ao poder começa
a “ler mais sobre vinhos caros do que alienação do trabalho nas linhas de
montagem da Ford”, bem como mostrar que
é “capaz de governar”, nem que seja necessário para isso ajustes fiscais que
pesem no bolso do trabalhador, resgate do sistema financeiro, nada que a Europa
dos últimos anos não nos tenha mostrado, o que evidentemente vai contra o
primeiro princípio que deve ser sua pedra angular, a defesa radical do
igualitarismo, a luta contra a desigualdade econômica.
Uma
ideia interessante que traz é a de que a esquerda seja “indiferente às
diferenças”, isto é, o reconhecimento institucionalizado das diferenças
(gênero, sexo, raça etc), cuja ação se orientava no reconhecimento dessas minorias foi muito
importante, entretanto, levar isto às últimas consequências culmina compreender
os choques no universo social unicamente como conflitos culturais. Sugere-se
então “não organizar o campo social a partir da equação das diferenças”, ou
seja, a esquerda deve orientar sua ação pelo universalismo, a busca da
universalização de direitos.
Um
elemento de vital importância é o de que reforma e revolução não são
dicotômicas entre si, o que acarreta em equívocos na orientação da ação
política. A conclusão é: é necessário “lutar por reformas sem perder de vista
que processos incalculáveis podem acontecer”, quer dizer, existe uma possibilidade
que é alheia ao nosso controle. Evidentemente que isso se torna mais claro com
a leitura do livro.
Retomando a
noção de soberania popular, e do direito à resistência, Safatle também coloca
em xeque até que ponto o Estado de Direito é um Estado Democrático, afinal, nos
acostumamos a nunca dissociar Direito de Justiça, o que permite pensar melhor
quando existe contradição entre o consenso popular e a lei vigente, o que para
os conservadores é sempre visto como ameaça à ordem vigente, e o golpe de
Estado em Honduras está aí para mostrar. É certo que a Constituição hondurenha
previa que não se podem fazer alterações na Constituição, mas porque temer que
o juízo popular, o poder soberano do povo transforme a Constituição a fim de
representar melhor seus interesses? Essa “violação política da lei” se torna,
portanto, legítima e mais do que legítima necessária.
Safatle traz
a noção de “Estado ilegal” para a discussão, relembrando que de Locke em diante
se tem como direito do cidadão lutar de todas as formas contra a usurpação do
poder, o estado de terror e a censura.
Como
consequência da “soberania popular para além do Estado de Direito” a esquerda
deve, também, não ter medo de transferir o poder para os mecanismos de
democracia direta, como a realização de plebiscitos, não caindo no caminho do
personalismo e da centralização e muito menos na armadilha de mostrar que “sabe
governar com eficácia”, fazendo concessões “necessárias” ao grande capital,
como já vimos acima. Safatle atribui esse desvio ao fato de que a esquerda
possui uma teoria do poder, do Estado, mas não uma teoria do governo, pois não
basta o belo discurso de dizer que com vontade política se vai longe.
Filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle |
Entretanto,
discordo um pouco dessa “ausência” de uma teoria do governo, mas, como estou
tratando de apenas despertar o interesse pelo livro não vou tanto me ater a
essas críticas, até mesmo porque seria necessário mais do que o que me propus a
fazer até aqui. A esquerda, porém, raramente possui clareza em explicar como
fazer.
Além
disso, Safatle também cai na mesma armadilha que uma parte da esquerda (que até
possui boas ideias e boas intenções) cai, classificando Chávez como uma
alternativa bonapartista e populista para a esquerda, ignorando os consejos
comunales, o plebiscito, as alterações na Constituição submetidas ao juízo
popular, enfim, implementação de políticas de uma esquerda que realmente não
teme dizer seu nome. Vale a leitura!!
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