sábado, 22 de dezembro de 2012

Uma interessante reflexão - "A esquerda que não teme dizer seu nome", de Vladimir Safatle



A esquerda que não teme dizer seu nome – Vladimir Safatle
Capa do livro

            Terminei ontem de ler o livro “A esquerda que não teme dizer seu nome”, de Vladimir Safatle, cujo objetivo é, segundo ele, reafirmar alguns valores e renovar outros, para, a partir daí pensar a ação política. Tentarei apresentar muito brevemente e superficialmente alguns elementos da discussão feita pelo filósofo e professor da USP Vladimir Safatle.
            Confrontando o suposto esgotamento do pensamento da esquerda, que é o delírio do senso comum, sobretudo dos meios de comunicação do grande capital, Safatle é capaz de trazer diversos elementos para a discussão de como orientar a ação política de esquerda, o que se faz urgente, sobretudo num contexto de colapso do chamado “socialismo real” (que de real não tem nada), da desresponsabilização do Estado no neoliberalismo.
            Perpassando o contexto político atual, ainda que de forma superficial (mas precisa), Safatle começa a dar as pinceladas do esboço do livro, criticando fortemente o senso comum conservador, e uma certa esquerda, que quando chega ao poder começa a “ler mais sobre vinhos caros do que alienação do trabalho nas linhas de montagem da Ford”,  bem como mostrar que é “capaz de governar”, nem que seja necessário para isso ajustes fiscais que pesem no bolso do trabalhador, resgate do sistema financeiro, nada que a Europa dos últimos anos não nos tenha mostrado, o que evidentemente vai contra o primeiro princípio que deve ser sua pedra angular, a defesa radical do igualitarismo, a luta contra a desigualdade econômica.
            Uma ideia interessante que traz é a de que a esquerda seja “indiferente às diferenças”, isto é, o reconhecimento institucionalizado das diferenças (gênero, sexo, raça etc), cuja ação se orientava  no reconhecimento dessas minorias foi muito importante, entretanto, levar isto às últimas consequências culmina compreender os choques no universo social unicamente como conflitos culturais. Sugere-se então “não organizar o campo social a partir da equação das diferenças”, ou seja, a esquerda deve orientar sua ação pelo universalismo, a busca da universalização de direitos.
            Um elemento de vital importância é o de que reforma e revolução não são dicotômicas entre si, o que acarreta em equívocos na orientação da ação política. A conclusão é: é necessário “lutar por reformas sem perder de vista que processos incalculáveis podem acontecer”, quer dizer, existe uma possibilidade que é alheia ao nosso controle. Evidentemente que isso se torna mais claro com a leitura do livro.
Retomando a noção de soberania popular, e do direito à resistência, Safatle também coloca em xeque até que ponto o Estado de Direito é um Estado Democrático, afinal, nos acostumamos a nunca dissociar Direito de Justiça, o que permite pensar melhor quando existe contradição entre o consenso popular e a lei vigente, o que para os conservadores é sempre visto como ameaça à ordem vigente, e o golpe de Estado em Honduras está aí para mostrar. É certo que a Constituição hondurenha previa que não se podem fazer alterações na Constituição, mas porque temer que o juízo popular, o poder soberano do povo transforme a Constituição a fim de representar melhor seus interesses? Essa “violação política da lei” se torna, portanto, legítima e mais do que legítima necessária.
Safatle traz a noção de “Estado ilegal” para a discussão, relembrando que de Locke em diante se tem como direito do cidadão lutar de todas as formas contra a usurpação do poder, o estado de terror e a censura.
            Como consequência da “soberania popular para além do Estado de Direito” a esquerda deve, também, não ter medo de transferir o poder para os mecanismos de democracia direta, como a realização de plebiscitos, não caindo no caminho do personalismo e da centralização e muito menos na armadilha de mostrar que “sabe governar com eficácia”, fazendo concessões “necessárias” ao grande capital, como já vimos acima. Safatle atribui esse desvio ao fato de que a esquerda possui uma teoria do poder, do Estado, mas não uma teoria do governo, pois não basta o belo discurso de dizer que com vontade política se vai longe.
Filósofo e professor da USP, Vladimir Safatle
            Entretanto, discordo um pouco dessa “ausência” de uma teoria do governo, mas, como estou tratando de apenas despertar o interesse pelo livro não vou tanto me ater a essas críticas, até mesmo porque seria necessário mais do que o que me propus a fazer até aqui. A esquerda, porém, raramente possui clareza em explicar como fazer.
            Além disso, Safatle também cai na mesma armadilha que uma parte da esquerda (que até possui boas ideias e boas intenções) cai, classificando Chávez como uma alternativa bonapartista e populista para a esquerda, ignorando os consejos comunales, o plebiscito, as alterações na Constituição submetidas ao juízo popular, enfim, implementação de políticas de uma esquerda que realmente não teme dizer seu nome. Vale a leitura!!

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