PELO ESFORÇO COLETIVO DA ELABORAÇÃO DE UMA TEORIA DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA PARA O BRASIL
Existe na esquerda brasileira, atualmente um grande déficit teórico de interpretação da realidade nacional.
Ao abandonar qualquer perspectiva de transformação radical os setores mais “tradicionais” (por assim dizer) da esquerda, deixaram de lado a tentativa difícil de interpretar o Brasil, suas particularidades no contexto do capitalismo monopolista e o que – consequentemente, deve ser a Revolução Brasileira.
Verdade seja dita, o que o PT faz é apologética. Apresentam-se ganhos econômicos, assistencialismo, redução da pobreza. Não que isso seja lixo. Mas, se por um lado o Bolsa Família reduz a pobreza de uma forma abrupta pelo seu alcance, por outro o capitalismo financeiro vai muito bem, obrigado e a reforma agrária está parada. Não há redução da desigualdade social. Essa é a questão. A sociedade que nós, socialistas, almejamos não é essa.
O PCdoB, incapaz de romper com sua dogmática herdada do stalinismo, sempre transpôs mecanicamente modelos. Seja nos princípios maoístas, seja quando via na Albânia o único “farol do socialismo”. Hoje, não tem constrangimentos em brilhar os olhos diante do crescimento chinês, feito à custa de alta precarização do trabalho. O caso dos trabalhadores da Foxconn ilustra bem o caráter capitalista desse modelo.
De resto, PDT e PSB nunca foram partidos que se empenharam numa busca pela interpretação do Brasil.
Nem tudo o que reluz é ouro, ainda mais o ouro de Moscou...
Como lembra
Michael Löwy, um marxista de inspiração trotskista, no estudo que precede sua
antologia do marxismo na América latina, há duas grandes ciladas nas quais
teóricos marxistas latino-americanos caíram ao longo da história: o
eurocentrismo e o “excpecionalismo indo-americano”.
Alguns
movimentos progressistas por uma análise particularista da América Latina
acabaram por ficar a reboque do populismo, como o APRA no Peru, abandonando a
perspectiva de transformação radical da sociedade.
Aqueles que
se aproximam do marxismo no Brasil logo aprende que durante muito tempo o PCB
desenvolveu uma tese errônea, que vinha de uma má interpretação mecanicista da
Internacional Comunista, de que havia no Brasil resquícios feudais, a saber, o
latifúndio, que deveriam ser destruídos por uma revolução nacional-democrática,
de caráter burguês, para que depois se pudesse pensar no socialismo (mesmo o
PCdoB, maoísta, após a contrarrevolução de 1964), o que seria possível graças à
existência de uma “burguesia nacional” de caráter progressista.
O
historiador Caio Prado Júnior toma a dianteira na tentativa de compreender a
formação histórica do Brasil, e conclui que não há antagonismo entre a burguesia
nacional e a burguesia internacional, embora acredite que feita a reforma
agrária e superada a dependência do capital internacional, seja possível
viabilizar um empresariado essencialmente “nacional”.
A partir da
Teoria Marxista da Dependência a coisa muda. A síntese dialética entre as
particularidades da constituição histórica da América Latina e de sua inserção
no contexto mundial do capitalismo monopolista é feita por pensadores como
Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank etc.
De certa
forma, as bases para essa teoria já estavam em Lênin, que percebeu que a
burguesia russa era dependente do imperialismo, estando associada a ele, e não
estando disposta a levar “até o fim” suas tarefas históricas, de caráter
nacional e democrático, como a reforma agrária.
Porém, isso
não é transposto de forma mecânica (e aqueles que conhecem o rigor teórico e
metodológico do Florestan sabem disso). A questão é que o subdesenvolvimento
latino-americano não é produto do atraso, e sim a forma particular que o
capitalismo assumiu aqui. Não há esperanças dentro do capitalismo. Ao contrário
do que acreditava Stalin (e seus seguidores acreditam até hoje), apenas o
desenvolvimento das forças produtivas não é o suficiente para lançar as bases
para o socialismo.
Mas dentro
da tradição marxista a Teoria Marxista da Dependência não possui o monopólio da
interpretação do Brasil. Carlos Nelson Coutinho, em seu polêmico ensaio “A democracia como
valor universal”, trata do déficit democrático existente no Brasil, pois o
que predominou ao longo da nossa história de modo a resolver as crises
políticas foram as transformações feitas por cima, um acordo entre as elites,
em termos gramscianos
a revolução-restauração ou a “via prussiana” (em termos de Lênin e Lukács).
Florestan
Fernandes, ao reconhecer que o capitalismo brasileiro havia atingido seu
limite, isto é, o único capitalismo possível no Brasil é o dependente. Dessa
forma, tarefas democráticas deveriam ser realizadas no seio da revolução
proletária em sentido socialista.
E hoje?Todo partido que pretende transformar a sociedade precisa ter uma teoria – no nosso caso, do que deve ser a Revolução Brasileira.
Temos grandes pensadores que nos deram várias pistas e vários elementos. Florestan, Carlos Nelson Coutinho, Chico de Oliveira e por aí vai...
Como podem, então, o PSOL e o PSTU não se esforçarem nesse sentido? Só um programa não é suficientemente elucidativo, é preciso explicar porquê este e não outro programa.
Nesse sentido, o único partido que vejo promovendo um esforço para realizar essa difícil tarefa é o PCB. Se ele está certo ou errado, não saberemos agora; o que sabemos é que diante de um cenário altamente complicado para a esquerda e em meio a uma crise capitalista, uma teoria da revolução brasileira retoma sua atualidade, ainda que não estejamos numa situação revolucionária.