quarta-feira, 22 de maio de 2013

Do que não precisamos mais (III) - A esquerda nostálgica




Esquerda nostálgica
            Essa corrente é essencialmente stalinista e possui vários problemas. Não só não é capaz de fazer a análise concreta de situações concretas, como também vive no passado. Se rompeu na prática com a II Internacional, sua leitura do que é o marxismo ainda é próxima da elaborada por Kautsky, “baseado em leis econômicas que previam o colapso do capitalismo” (McDonough; 1980). O capitalismo soube ser muito criativo para superar suas crises, como demonstrou o desenrolar da história.
Não há maior esquematização reducionista do marxismo do que a feita por Stalin, quase uma “biologização” do marxismo, que passou de uma teoria social que dá elementos para a crítica da sociedade burguesa a uma doutrina, que recebeu o nome de “marxismo-leninismo” e passou a ser uma ciência geral (NETTO; 1982). Estabelecem-se “leis” e “condições” para a aplicação do marxismo, que derivam no empobrecimento e redução do objeto de análise.
A implicação prática dessa leitura determinista e economicista é que a história passa a ser concebida como uma série de estágios lógicos que levam necessariamente ao comunismo, de forma evolucionista. Essa concepção cria bases para o pragmatismo, característico dessa corrente.
O culto que se faz à imagem de um homem infalível, além de ser de uma religiosidade infantil, prejudica a compreensão da teoria social de tradição marxista. A historiografia dos “grandes homens” é uma historiografia burguesa. Devemos ser mais racionais, apreender o materialismo histórico e deixar as paixões platônicas guardadas para os que pretendem escrever a história de um ponto de vista ideográfico.
Limitando-se a denunciar “desvios” supostamente reformistas e trotskistas, não se empenha na análise crítica do mundo contemporâneo. Repete velhas fórmulas e não se interessa em pensar nas insuficiências do mal chamado socialismo real, bem como as causas de seu fracasso.
“O chamado socialismo real promoveu a supressão da propriedade privada dos meios de produção sem, com isto, instaurar um ordenamento político compatível sequer com os padrões de exercício da democracia-método.”(Netto;1980 [p.49])
Recusa-se a reconhecer a ausência de democracia nos países que adotaram esse modelo, vendo-os como o paraíso, afirmando que a democracia é um valor burguês e, portanto avesso ao movimento socialista, bem como não reflete sobre caráter do trabalho nessas sociedades. Ricardo Antunes (2011) bem coloca que:
“O empreendimento socialista não poderá efetivar outro modo de vida se não conferir ao trabalho algo radicalmente distinto tanto da subordinação estrutural em relação ao capital quanto em relação ao seu sentido heterônomo, subordinado a um sistema de mando e hierarquia, como se deu durante a vigência do sistema soviético [...] Não é possível compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com tempo verdadeiramente livre”. (p.75)
Baseada na teoria realista da ciência política (o choque entre os Estados), dá apoio a qualquer tipo de Estado que represente uma oposição à política dos EUA. Dessa forma, esse setor não vê problema em apoiar Estados teocráticos, em que há opressão à mulher (como o Irã), governos que não estão minimamente comprometidos nem com a classe trabalhadora, nem com a democracia, nem com o socialismo. Não vê problema em apoiar governos populistas de direita, como o de Putin.
Isso se dá porque, como muito bem escreveu o sociólogo Ricardo Musse (2011), “a velha esquerda prefere um Estado forte à democracia”, porque se prende apenas à dicotomia “imperialista/anti-imperialista”, mas principalmente porque ela “interpreta o presente com os olhos congelados no passado. Deixou de acompanhar as mudanças no mundo – em geral desagradáveis para ela”. Entretanto, como ela se encontra alheia à situação contemporânea, não possui qualquer perspectiva dirigente e se a possui é uma quimera. O que restou foi então o nacionalismo sem qualquer conteúdo de classe.

Bibliografia

ANTUNES, Ricardo. As lutas sociais e o socialismo na América Latina no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.

MCDONOUGH, Roisín. A ideologia como falsa consciência: Lukács  in da ideologia Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. 

MUSSE, Ricardo. Por que a velha esquerda se ilude com Khadafi? Consultado em 27/02/2013 http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/ricardo-musse-por-que-a-velha-esquerda-se-ilude-com-kadhafi.html

NETTO, José Paulo. Notas sobre a Democracia e a Transição Socialista in Revista Temas de Ciências Humanas Nº 7. São Paulo. LECH, 1980.
NETTO, José Paulo.  A elaboração teórica da direção stalinista in Stalin – Política. São Paulo: Editora Ática, 1982.
 

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