terça-feira, 14 de maio de 2013

Do que não precisamos mais (II) - A esquerda da esquerda



A esquerda da Esquerda
                Lênin já tratou em melhores termos esse setor qualificando-o como uma “doença infantil do comunismo”. Uma das características desse grupo é o mecanicismo, ou segundo Lênin o dogmatismo de esquerda, o que lhe dá uma feição semelhante à da esquerda nostálgica em suas análises.
                Não se trata de fazer uma acusação nominal sobre o comportamento dessa ou daquele corrente, desse ou daquele partido. Isso fica para os conflitos vaidosos entre as agrupações políticas, entre os “mais marxistas”, “mais leninistas” etc.
                Ao invés de fazer a análise concreta das situações concretas, em nome de uma pureza teórica o que se faz é uma esquematização do marxismo, que implica em ideias pré-concebidas sobre como deveria ser a realidade e não como ela é. Esse comportamento, mesmo que teórico, possui consequências políticas trágicas, porque leva a um diagnóstico da realidade que não condiz com ela mesma, como se o mundo fosse pintado com traços impressionistas. A consequência é o imediatismo voluntarista não-marxista, não-leninista e muitas vezes de um radicalismo pelo radicalismo, ou seja o sectarismo. O isolamento político não se dá, porém, sem antes fazer uma política de autoproclamação, como se a vanguarda operária já estivesse pronta neste ou naquele partido.
É o caso de setores que se colocam contra processos essenciais para o avanço da atualidade da revolução socialista, como a defesa anti-imperialista de Cuba, fazendo críticas pela direita, a despeito da realidade do bloqueio econômico e do isolamento político, que há pouquíssimo tempo vem sido rompido a duras penas. Também se colocam contra os governos de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, cuja feição é progressista, havendo participação das massas organizadas, o que se viu principalmente quando forças reacionárias tentaram derrubar esses governos, que vêm implementando reformas estruturais imprescindíveis e acumulando forças.
                Valendo-se de algum reducionismo teórico do pensamento marxista alguns trotskistas, maoístas e até mesmo stalinistas, qualificam esses procesos de cambio ou como uma expressão ora nacionalista e pequeno-burguesa, ora como populista, ou, o que é pior, ora como bonapartista, a despeito do real significado da expressão, cuja melhor explicação se encontra em Florestan Fernandes (2012), que se apoia em Engels, para explicá-lo como um conceito histórico e não uma categoria histórico-sociológica. Dessa forma tal argumentação torna-se insustentável. Também se despreza as particularidades históricas do que foi o populismo, bem como a luta anti-imperialista dos governos Chávez, Morales e Correa – que são a expressão mais avançada da luta pelo socialismo no século XXI na América Latina e um enorme salto qualitativo em relação ao neoliberalismo.
                Os críticos desses processos ignoram que esses governantes chegaram mediante voto, mas após várias mobilizações. Não se pode esquecerdo que foi a guerra do gás na Bolívia em 2003, na qual a liderança de Evo Morales foi importantíssima; Também o Caracazo na Venezuela; ou ainda o levante popular que derrubou Lúcio Gutierrez no Equador, porque preferiu abandonar seu programa de reformas democráticas em prol da cartilha do FMI.
                Reforma agrária, democratização das comunicações, auditoria das dívidas públicas, enfim, tarefas democráticas estão sendo realizadas e em sentido progressivo e mais, diferentemente do populismo, com participação das massas e grandes mobilizações populares. A resistência que levou Chávez de volta ao poder no Golpe de Abril de 2002, apoiado pelo Partido Bandera Roja, de viés stalinista, que se associou à burguesia e aos setores reacionários das Forças Armadas nessa empreitada, é um grande exemplo do apoio das massas e na confiança que esses presidentes têm nas massas. Evo Morales inclusive chegou a cogitar armar os camponeses durante a crise de 2008 para resistir à ofensiva da direita.
                Entretanto, nossa economia dependente latino-americana nos marcos do capitalismo possui suas limitações. E mais, a execução dessas reformas, que não se opõem à revolução, depende evidentemente da correlação de forças, que nem sempre é favorável, o que faz com que muitas forças reformistas cheguem ao poder, mas sem força, como é o caso de Lula em 2002. Como ainda não há revolução social, esses processos têm sua limitação, mas não há dúvidas de que vão em sentido progressivo. Não há revolução social sem revolução política, essa é uma das grandes lições da história das lutas de classes. A tendência é a de que as contradições de classe se acirrem nesses processos reformistas. O que é importante é a formação da consciência de classe, a organização popular e a não negativa de recorrer à insurreição para defender esses processos.
Penso que o trotskista Alan Woods (2005) faz a afirmação mais acertada sobre o comportamento que os marxistas devem ter em relação à Revolução Bolivariana e penso que ela se aplica aos outros processos que são mais radicalizados na América Latina. Além de lembrar que o marxismo nunca negou o papel do indivíduo na história afirma que (tradução minha):
“Na ausência de um partido marxista revolucionário de massas, as forças da revolução se reuniram ao redor de Chávez [...] Mas não só os inimigos burgueses da revolução mostram uma absoluta incapacidade de compreender a revolução venezuelana. Muitos de esquerda (inclusive alguns que se denominam marxistas) demonstraram uma incapacidade similar de entender o que está acontecendo [...] O que não entenderam é a relação dialética [...] entre Chávez e as massas. Eles têm em comum sua aproximação formalista e mecânica à revolução. Não a veem como um processo vivo, cheio de contradições e irregularidades. Não se ajusta a seus esquemas pré-concebidos de como deveria ser uma revolução e, portanto, lhe dão as costas com desprezo. Comportam-se como o primeiro europeu que viu uma girafa e exclamou: ‘Não acredito!’. Desgraçadamente, para nossos amigos formalistas, a revolução não se desenvolvem suavemente, não se produz de acordo com nenhum plano pré-concebido, não é como um ensaio de orquestra que segue a batuta do diretor.”

                Dessa forma, a esquerda da esquerda possui erros na elaboração teórico-prática que não lhe permitem uma compreensão do movimento real, tendo uma visão míope e imediatista. Podem até ter compromisso com o socialismo e com a democracia, mas de nada adianta, se a análise é feita como um culto ao empiricismo, que recorta a realidade e a isola de sua totalidade – e há algo de pós-moderno nisso, bem como o distanciamento da realidade. O marxismo formalista é perigoso porque acaba em vulgarização de conceitos e categorias e na prática demonstra uma postura isolada, sectária e que se coloca contra qualquer iniciativa que não seja dirigida por sua corrente.
                Esses desvios teóricos em alguns setores trotskistas – não se pode afirmar que ele existe em todos, se traduz na falsa ideia de que há capitalismo de Estado em Cuba. Não criticam, porém, o embargo ao país, que faz com que Cuba tenha que tirar leite de pedra para sobreviver, afinal, não se pode esperar a Revolução Mundial para que se possa comer, estudar e viver. Desprezam o controle dos trabalhadores na produção, os alcances do poder popular, os comitês de defesa da revolução no país. Se Cuba não é o paraíso, está muito mais longe de ser o inferno. Essa postura ignora o contexto imperialista que ainda é vigente.
                Marini (2007) faz uma crítica à não compreensão do caráter dialético da relação socialismo-democracia, por setores de direita e esquerda, que não percebem que essa relação se dá por meio de processos nacionais e suas peculiaridades culturais e socioeconômicas, bem como a correlação de forças internacional. Não se pode cair nem no particularismo, nem na transposição mecânica de modelos de socialismo, que é o que pretende o stalinismo e alguns setores do trotskismo.

Bibliografia:


FERNANDES, Florestan. O Coup de main de Luís Bonaparte in Marx, Engels, Lenin. A história em processo. São Paulo: Expressão Popular, 2012 .

MARINI, Ruy Mauro. Socialismo e democracia (1993) in STEDILE, João Pedro e TRASPADINI, Roberta. Ruy Mauro Marini. Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
 

WOODS, Alan. Los marxistas y la revolución venezolana in La revolución bolivariana. Un análisis marxista. Madrid. Espanha: Fundación Federico Engels, 2005.

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