Não
voltarão! Era isso o que gritava a multidão entre bandeiras de partidos do Gran
Polo Patriotico, Venezuela, Cuba e o Kollasuyu (bandeira dos povos originários),
em uma eleição com altíssimo índice de participação (79% dos aptos a votar),
sobretudo para um país em que o voto é facultativo, o que indica uma profunda
politização. Deve-se lembrar a enorme quantidade de eleições pelas quais a
Venezuela tem passado, o que pode ter como consequência um certo enfado por
parte da população.
Desde
que Chávez tornou pública sua doença, logo pensei que era este o momento da
verdade, a prova de fogo da Revolução Bolivariana. O momento de sabermos quais
os limites do que temos até agora, quais os pontos fracos e fortes e a real
possibilidade de seguir adiante sem Chávez.
A
pouca vantagem de Maduro é um prato cheio para a oposição, que cresceu 1 milhão
de votos (!) – mas as reais causas são difíceis de analisar, já que as
pesquisas não se mostraram corretas. Capriles já disse que não reconhece os
resultados. O grande perigo está na confrontação que pode derivar daí.
Não há
dúvidas de que esperamos esse resultado até o último momento e que agora o que
se faz presente é que cabe a nós, passado o alívio da vitória, prestar atenção
em alguns pontos. Não vou me ater àquilo que já sabemos, os logros desse
processo de 1999 até aqui.
Bateu
na trave, é gol! Foi por pouco...
Aqueles
– dentre os quais me encaixo, que esperavam uma vitória acachapante sofreram
com um balde de água fria na cabeça. Essa foi a menor diferença eleitoral desde
1998 (!) quando Chávez ganhou por 51% a 49%. Foi justamente esse o resultado
anunciado pelo Consejo Nacional Electoral entre Maduro e Capriles.
Temos
de dizer que Maduro é um péssimo orador, o que não retira sua habilidade
política. Mas seu discurso exageradamente cristão e seu apego à imagem de
Chávez não lhe permitiu deixar claro para toda a população – principalmente os
indecisos, qual a Venezuela que virá adiante.
A
nova cara da velha oposição
A
oposição veio se fortalecendo nos últimos anos e isso é um fator a ser levado
em conta. Percebeu que seu discurso antipopular, privatizante não lhe levaria
mais do que a simpatia da minoria mais rica, saudosa da antiga República e da
alternância entre dois partidos oligárquicos no poder. Já comentei sobre isso
antes.
A
oposição, sobretudo Capriles, soube incorporar a linguagem do movimento
bolivariano. Passou a usar a bandeira venezuelana em seus comícios, passou a
atacar Maduro sem lançar pedras contra Chávez, bem como as palavras que usa em
seu discurso por vezes coincidem com as de Chávez. Mas isso é a aparência, a
essência é a que estamos acostumados na América Latina, afinal, Capriles foi um
dos protagonistas da tentativa de Golpe em abril de 2002.
A
questão é que não basta restringir a luta política à redução da pobreza, porque
a oposição pode incorporar (mesmo que no discurso) à sua agenda os programas de
assistência social. Apenas isso não basta. Muito tempo de poder desgasta SIM,
como sabemos. É preciso saber sempre avançar e recuar.
“¡El problema es que usted no es
Chávez!”
Essa frase
foi dita até a exaustão por Capriles, mas não a usarei aqui da maneira
mesquinha como ele a usou. Maduro é um histórico militante socialista, vindo do
meio sindical, da clase popular, fez um excelente trabalho como chanceler do
governo bolivariano (bote o ingresso da Venezuela no Mercosul e a CELAC na
conta dele), e não foi escolhido por Chávez à toa, até porque de bobo Chávez
não tinha nada.
Maduro,
apesar disso, realmente não é Chávez. Chávez vinha consolidando sua liderança
desde 1992. Apesar de toda sua trajetória louvável, Maduro é um fato político
mais recente na vida política Venezuelana, tendo sido mais um homem de
bastidores do que de holofotes. Mas já deu algumas pistas. Disse que não haverá
pacto com a burguesia.
Chávez
provinha do meio militar, portanto, não só sabia como pensavam os militares
como também como ganhá-los e também não descuidou da formação política dos
quadros militares, dando-lhes uma feição progressista. Se boa parte das Forças
Armadas se declara bolivariana e constitucionalista, sabemos que nunca é
demais se precaver, até mesmo porque em matéria de golpe de Estado a América
Latina tem PhD. Maduro não é um militar, mas esperamos que saiba ter consigo
esse importante setor, cujo porta-voz se declarou com a Constituição.
Tenho claro
que o que há na Venezuela é um processo social, uma revolução política em
curso. Por ser processo há uma operação dialética entre a revolução e a
contrarrevolução. Não há revoluções irreversíveis.
Não
vislumbro a possibilidade de Maduro levar adiante o projeto de industrialização
sem o acirramento da luta de classes e aqui se testará Maduro enquanto liderança
política mais a fundo.
Se
a esquerda venezuelana quer passar sem grandes sustos, o Gran Polo Patriotico
precisa se preocupar e muito com a conscientização e a educação política dos
mais pobres. A oposição cresce e é hora de colocar a superação do desgaste na
ordem do dia.
Maduro
precisa agora consolidar sua liderança. Apenas falar sobre Chávez e o
sentimento cristão não resolverá o problema. Muitos talvez não tenham votado em
Maduro porque não veem nele alguém capaz de garantir a estabilidade política.
É um ponto
positivo que haja uma direção coletiva político-militar, isso indica que há a
intenção de superar a centralização que caracterizava uma das principais
deficiências do chamado “chavismo”.
Temos que reconquistar
a hegemonia nos espaços perdidos. Lembrando Salvador Allende: pensemos no
amanhã duro que teremos por diante...
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