“Aqueles que esperam ver uma revolução social ‘pura’
não viverão para vê-la. Essas pessoas prestam um desserviço à revolução ao não
compreender o que é uma revolução” – Lênin.
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É difícil resumir em poucas linhas
com vistas ao futuro mil dias. Mil dias de um processo revolucionário. Citarei
abaixo algumas obras que recomendo para o estudo dessa tormenta revolucionária
que nos é muito útil para entendermos os processos latino-americanos no
presente.
Lamentavelmente, a figura de Allende
– que não deve ser tomada como central nas análises do processo revolucionário,
apesar de todo rol que cumpre, é tomada por muitos ora como de um político “ingênuo”
e “utópico”, ora como de um “reformista”. O fato é que análises reducionistas
têm sido muito frequentes, sobretudo entre setores trotskistas mecanicistas e
setores incapazes de romper com o dogmatismo stalinista.
Salvador Allende chega ao poder em
um país com algumas peculiaridades interessantes. Um país com certa tradição
democrática, ao contrário dos demais países latino-americanos, com uma tradição
legalista nas Forças Armadas – não foi por acaso que Allende contou com figuras
como René Schneider e Carlos Prats, ambos peças-chave na repressão aos
movimentos golpistas e mais, a República Socialista do Chile, fundada em 1932,
foi um movimento liderado por oficiais militares. Isto não quer dizer que o
Exército fosse progressista, mas são peculiaridades importantíssimas para se
compreender que a estabilidade chilena não era uma ilusão de Allende.
Mas, como todo Estado capitalista,
isto não quer dizer que não tenha havido repressão a movimentos sociais, ou mesmo
aos partidos políticos, caso do Partido Comunista chileno que ficou proibido
durante dez anos 1948 – 1958.
Por uma via chilena
O antigo marxismo mecanicista da III
Internacional que impôs aos Partidos Comunistas da América Latina a estratégia
nacional-democrática estava em crise com a desestalinização e se começava a
perceber que havia um entrave para a aliança com a burguesia nacional, a
existência dessa última.
A busca de uma via essencialmente
chilena, um caminho próprio para o socialismo, constituía para os padrões da
época algo muito avançado. Vale ressaltar que em um curtíssimo período de tempo
as Ciências Sociais no Chile se desenvolveram quantitativa e qualitativamente
de modo assustador – e muito proveitoso.
Entretanto, não seria algo tão digno
de surpresa se nos lembrarmos que o Partido Comunista chileno não surge com
paradigmas estabelecidos pela III Internacional, mas como fruto de um movimento
organizado que construiu seu partido em
1912, tendo à frente Luís Recabarren. Ou ainda que o Partido Socialista chileno
nascesse com viés marxista, ainda que abrigasse setores socialdemocratas, com
concepções avançadíssimas, sobretudo em relação à dependência.
Apesar dos percalços pelo caminho,
no geral os partidos Socialista e Comunista caminharam lado a lado na maior
parte do tempo, e foram, sem dúvida, a grande arma para a constituição de uma
frente política que não fez alianças de classe com a burguesia, não por acaso
Carlos Altamirano afirmou que a aliança com as classes médias significariam a “renúncia
da revolução”, o que inviabilizava a aliança, por seu sistema ideológico, mas
recorda que o programa básico da Unidad Popular não entrasse em contradições
com seus interesses objetivos. Deixo esse debate para aqueles que forem atrás
do livro.
Duas
perguntas: Frente Popular? E se um raio
não cai duas vezes no mesmo lugar, por que assim deve ser com o modelo
político?
Em
muitos debates com militantes, sobretudo trotskistas, há uma tendência bizarra
a se considerar o governo da Unidad Popular como de Frente Popular. Ora, o
conceito é utilizado como um conceito abstrato de validade geral, e não
historicamente construído, jogando às favas o arsenal teórico do marxismo –
inclusive de Trotsky.
O que a
Frente Popular – que obteve êxito eleitoral no Chile, mas em 1952, foi que a
Unidad Popular não foi? Um governo de colaboração de classes, de hegemonia
burguesa, num período de ofensiva das forças reacionárias.
Os partidos
políticos que constituíram a UP, hegemonizada por partidos proletários – O PS e
o PC – eram todos do espectro ideológico da esquerda, com um pluralismo que dificilmente
encontraríamos hoje. Tendo incluído até o MIR (Movimiento de Izquierda
Revolucionária), que sequer concorria às eleições, aceitando somente a via
armada (não-foquista, mas de massas).
Daqui
podemos extrair uma grande lição para o futuro. Se houve algo que permitiu o
avanço qualitativo em concepções e mesmo em termos de apoio popular foi essa
pluralidade. Tanto pelo franco debate de ideias que são o motor da revolução,
quanto pela possibilidade de se apoiar o governo tendo por preferência esta ou
aquela forma de conceber sua participação no processo revolucionário. Claro que
Allende terminou isolado em boa parte porque a esquerda preferiu se digladiar
na hora errada, mas ninguém disse que política é um troço fácil.
Mas
afinal, reforma OU revolução?
Por
fim, até porque deveria ter sido um texto curto, há esse eterno debate sobre
Allende. Se quisermos enfiar ideias na realidade poderíamos tranquilamente
caracterizar seu governo como reformista. Mas, se esquecermos de levar em conta
a formação dos Cordones Industriales, as JAP, os Consejos Comunales, mesmo o
incentivo à ocupações de terra (rural e urbana) para acelerar os processos,
enfim, estaremos deixando de lado algo que faz de Allende um socialista,
revolucionário muito avançado em relação a outros homens de esquerda do seu
tempo. Em nenhum momento passou pela cabeça dele a institucionalização do poder
popular; Allende não era um estatista, era um marxista.
Claro
que houve tensões fortíssimas entre “a revolução vinda de cima” e a “revolução
vinda de baixo” (Peter Winn), mas este é o tipo de tensão que o vice-presidente
boliviano, Alvaro García Linera, caracteriza como criativa, porque é o que faz
o processo estar em movimento.
Aqueles
que pensam que será possível chegar ao socialismo só com reformas ou só com
revolução estão errados. Precisamos superar essa falsa contradição, que não faz
mais sentido, e avançar por reforma e revolução. Afinal, a revolução é, como
diria Gramsci, um processo dialético, sujeito a contradições. E quem duvida que vá conversar com Chávez...
Sugestões de leitura:
- Dialética de uma derrota, de Carlos
Altamirano (editora Brasiliense; 1979).
- A revolução chilena, de Peter Winn (editora
UNESP; 2009).
- Canção Inacabada, de Joan Jara (editora
Record; 1998).
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